POLÍTICA, SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO | OPINIÃO

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O CENTRO-ESQUERDA DA SOCIAL DEMOCRACIA


A proposta de revisão constitucional do PSD merece ser clarificada e bem elucidativa para todos os portugueses. Uma revisão sobretudo interna, mas também ela sinónima de política liberal e regressão civilizacional. Existe a certeza nesta revisão que o PPD/PSD abandona de forma clara e objectiva a social-democracia que já nos últimos anos era posta em causa e registava um papel secundário nas suas prioridades políticas.

Mas vamos por partes. A primeira grande estratégia do PSD de Pedro Passos Coelho é a dar a conhecer ao país a elaboração de uma alternativa de poder e este esforço é de valorizar. Uma alternativa não socialista, uma alternativa não social-democrata, pela primeira vez em Portugal e no nosso sistema político, existe uma clara separação entre aquilo que o centro-esquerda (PS) defende e aquilo que a direita (PPD/PSD) apresenta. Um programa que deixa cair o centro político e acentua o posicionamento de direita no espectro político-partidário.

Concentremo-nos então nos pilares de revisão constitucional do PSD. Em primeiro lugar, a substituição dos despedimentos com “justa causa” pela fórmula “razão legalmente atendível”, significa uma tendência favorável aos despedimentos. O termo “atendível” apresenta uma noção demasiado vaga e uma argumentação vácua sobre o factor que pode levar um trabalhador a ser despedido. Acrescentar o termo “legalmente” ao motivo atendível não quer dizer absolutamente nada, aliás trata-se apenas de um pleonasmo (repete a mesma ideia na frase), pois a razão “atendível” não poderia ser ilegal. A fórmula “razão legalmente atendível” determina que o despedimento de um trabalhador pode ser atendível apesar de injusto. Aquilo que pode ser entendido como “motivo atendível” abre as portas à liberalização dos despedimentos e refunda a legislação laboral no sentido da precariedade no trabalho se tornar a principal fonte de emprego.

Mas a questão da liberalização dos despedimentos, nem é a grande novidade desta revisão. Aquilo que é revelador de uma separação entre o PS e o PPD é sem dúvida o abandono do valor social-democrata da matriz ideológica do PPD/PSD. A matriz ideológica construída pelos fundadores do PPD/PSD como Francisco Sá Carneiro, Pinto Balsemão, assim como grandes personalidades do partido como Santana Lopes foi de facto esquecida e colocada de parte por uma nova corrente ideológica assente no neo-liberalismo, uma corrente de direita conservadora que defende o Estado Mínimo, isto é, a ideia de primazia do mercado onde Estado só deve assumir a função de afectação, ou seja, garantir o bom funcionamento do mercado, construindo as infra-estruturas básicas indispensáveis ao desenvolvimento económico (estradas, portos), garantir a defesa interna e externa do seu território, assim como a justiça e entregar tudo o resto (educação, saúde, protecção social, investimento público) à propriedade privada e ao mercado económico, se existir. Sem dúvida uma versão moderna do “orgulhosamente sós”, citando para este exemplo António de Oliveira Salazar, porventura ex-ditador, “Menos Estado, Melhor Estado”. A concepção do Estado Reduzido rejeita a interferência do estado na economia (por exemplo, fixação de um salário mínimo nacional), refuta a ideia de serviço público que o Estado pode adoptar (escola pública, saúde pública, protecção social aos trabalhadores e apoios sociais aos mais desfavorecidos), apresenta um orçamento reduzido (10% do PIB) e vê o mercado como um processo justo, eficiente e capaz de se auto-regular. Prevalece o preconceito sobre o estado e o princípio de que aquilo que é público é mau só por ser público.

Na minha opinião, mais do que qualquer ideologia ou programa político, todos nós desejamos um governo moderado com uma política equilibrada. Ora neste projecto de revisão, aquilo que encontramos é um Estado Mínimo desfasado da realidade e dos avanços civilizacionais que as populações conquistaram nos últimos 50 anos. Aquilo que constato é desequilíbrio e incongruência. Uma proposta sem conteúdo e sem projecto de futuro. Uma proposta de revisão constitucional é muito mais que um projecto político – partidário, é um consenso social que respeita a larga maioria da população. Não se pode transformar a Constituição da República Portuguesa numa declaração de princípios de Pedro Passos Coelho, não vamos confundir o livro que escreveu com a Constituição.

O partido do Estado Social

Uma sociedade de rendimentos gera inevitavelmente desigualdades económicas (poder de compra, capacidade de poupança, poder de investimento, posse de meios de produção) e consequentemente diferenças sociais (níveis culturais, graus educativos, oferta salarial, comportamentos sociais). O mercado reproduz desigualdades, apresenta falhas (bens públicos impraticáveis de privatizar, as externalidades provocadas por agentes económicos que afectam a população, imperfeições na concorrência de mercado – monopólios – e informação assimétrica entre os cidadãos). Dessa forma, a intervenção do Estado deve chegar mais longe. O Estado deve caminhar no sentido da justiça social, deve corrigir as falhas de mercado, isto é, o Estado não deve assumir apenas a função de afectação, deve também ser agente redistribuidor de rendimento e fornecedor de bens primários de Rawls ou bens de mérito de Musgrave, ou seja, pelo menos educação e cuidados primários de saúde a todos os cidadãos.

A educação é a base da justiça social. É a partir da educação para todos, de um sistema público de ensino que garantimos na sociedade portuguesa a igualdade de oportunidades e o combate à pobreza e à exclusão social. Uma sociedade justa deve basear-se no princípio da igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, uma igualdade de acesso aos bens primários e de mérito (educação e saúde). Quem nasce numa família de rendimentos mais reduzidos, deve ter a oportunidade de chegar mais longe na vida e de sair da situação de dificuldade em que nasceu e esta concepção não deve ser um privilégio, deve ser um direito bem assegurado, assim como todos aqueles que apresentam menos rendimentos devem ter os mesmos cuidados de saúde que os cidadãos com mais rendimentos. Este é o princípio da igualdade na sociedade. Rejeito a possibilidade de legalmente existir cidadãos de primeira e cidadãos de segunda. Todos devem ter acesso aos bens elementares, mas bens com a melhor qualidade.

Aquilo que esta direcção do PPD/PSD pretende é desmantelar o Estado – Social (por termo à educação e saúde pública) e aproveitar as consequências da crise actual para o fazer.

Contudo, não podemos constantemente atirar areia para os olhos dos portugueses. O que o PPD têm feito consiste em aproveitar as consequências conjunturais desta crise (elevadas taxas de desemprego e fraco crescimento económico) para colocar em causa a legitimidade e sustentabilidade do Estado – Social. Portugal tem de facto problemas estruturais e culturais que dizem respeito à forma como os órgãos do Estado são geridos e governados e à forma como os cidadãos interpretam o seu dever de cidadania, mas isso não é motivo para confundir os portugueses.

Vivemos num momento muito difícil e exigente para todos os portugueses (famílias, trabalhadores, desempregados, estudantes universitários, empresas e estado), um momento que exige reflexão e decisão.

Mas devemos colocar em causa tais avanços civilizacionais? Deixo-vos com a seguinte questão: Devemos sacrificar liberdades e direitos fundamentais como são hoje o acesso público à educação e à saúde mesmo que isso leve a um maior crescimento económico?

Portugal tem um problema estrutural de produtividade proveniente da liberalização do mercado económico, fomos perdendo competitividade nas últimas décadas. As empresas portuguesas são muito dependentes do investimento público, a crise financeira internacional e a preocupação em controlar as contas públicas vieram agravar a retoma económica. Há uma quebra muito acentuada do investimento privado, nos últimos dois anos os processos de insolvência ultrapassaram o total de empresas criadas. O Estado-Social foi ao longo dos anos sendo descaracterizado pela benevolência na atribuição de determinados apoios sociais, mas a solução não significa colocar um ponto final nas políticas sociais, passa por reformá-las e adaptá-las às exigências do século XXI. O centralismo administrativo português é cada vez mais confrontado com a regionalização administrativa do país. Em termos políticos, a situação não se alterou, continuamos em pleno século XXI, a ser o único país na União Europeia em que existem governos minoritários em funções, é tempo de dar prioridade legal à estabilidade política, sou desde há muito defensor das maiorias absolutas de um ou mais partidos.

Poderia aqui continuar a enumerar os problemas do pais e criar uma lista interminável, mas o que todos temos de fazer é ganhar consciência cívica e olhar com mais atenção para aquilo que está à nossa volta, a solução passa pela intervenção de cada um de nós. Começa por deixar a tua ideia aqui!