POLÍTICA, SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO | OPINIÃO

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O PAPEL DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA


No próximo dia 23 de Janeiro de 2011 vão decorrer as eleições para a Presidência da República, o dia em que os eleitores portugueses vão escolher o próximo Presidente da República para um mandato de cinco anos. Mais do que defender um dos candidatos, venho por aqui dar a minha opinião sobre o papel do Presidente da República e sobre a importância destas eleições.

Em primeiro lugar, o papel do Presidente da República (PR). Os poderes e as competências do Presidente estão consagrados na Constituição da República Portuguesa (CRP), saliento o artigo 120º da CRP, “o Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas”. Todavia, importa aqui referir o papel da figura presidencial.

Não podemos confundir o Presidente da República com o Governo ou com a Assembleia da República, são instituições diferentes com poderes distintos.

Então qual é o papel do Presidente da República? O Presidente da República não tem nem poder executivo (Governo), nem poder legislativo (Assembleia da República), tem poder mediador e fiscalizador da acção executiva e legislativa, é portanto árbitro da acção política. E como sabemos, um árbitro deve ser isento e imparcial no seu trabalho, assim, o PR deve ser um mediador político isento e imparcial, portanto deve estar acima dos interesses político – partidários e das disputas entre partidos, privilegiando o interesse nacional e deve ser um mobilizador social, isto é, criar elos de ligação com a sociedade civil e garantir coesão e unidade social.

Comecemos pela acção constitucional do Presidente. As leis que emanam da Assembleia da República têm o carimbo do Presidente da República. Uma das funções próprias do PR é a de Promulgar ou Vetar as leis provenientes da Assembleia da República (AR), isto é, o PR pode por um lado, vetar (rejeitar) a lei, normalmente por inconstitucionalidade (neste caso, o diploma é enviado ao Tribunal Constitucional que verifica que a lei viola a Constituição) e por outro lado, pode promulgar (aprovar) a lei, conferindo sempre o seu respeito pela Constituição, pela AR e manda publicá-la em Diário da República. Todavia, se a figura presidencial pretender desenvolver um papel mais interventivo, pode faze-lo por opção pessoal (por discordância que lhe é legítima, apesar de contrariar a concordância da Assembleia da República) e usar o poder de veto como força de bloqueio à acção governativa.

O PR têm o poder de demitir o Governo se estiver em causa “o regular funcionamento das instituições democráticas” e também dissolver a Assembleia da República (verifico nestes poderes, a capacidade e bagagem política que a figura presidencial deve ter para tomar decisões e para interpretar o bom funcionamento das instituições).

Contudo, mais do que o exercício das funções constitucionais, a figura do Presidente da República numa economia aberta e em momentos de crise têm ainda maior responsabilidade e maior destaque para marcar a diferença do ponto de vista institucional e económico. Em primeiro lugar, o ponto de vista institucional, ou seja, os encontros e reuniões com outros chefes de estado, os acordos sobre política e cooperação externa, visitas institucionais a organizações relevantes conferem credibilidade externa ao nosso país, e isto, significa que a figura presidencial tem de saber assumir com lucidez, sobriedade e sobretudo, com sentido de estado funções de carácter institucional. Em segundo lugar, a diplomacia económica. O Presidente da República tem de ser a voz de Portugal e dos portugueses, cá dentro e sobretudo lá fora, no estrangeiro. A figura presidencial tem de ser um activo económico, isto é, alguém que estabeleça durante todo o mandato um diálogo constante com os empresários e criar laços de cooperação com outros agentes criadores de emprego. Uma pessoa que abra portas de investimento, tanto para atrair investimento estrangeiro para Portugal, como para aumentar o nosso volume de exportações para o exterior. Alguém que se faça acompanhar de empresários portugueses nas suas viagens ao exterior.

Por fim, importa assinalar o momento destas eleições. Estão eleições são muitos importantes para os próximos anos e isso vai depender da execução orçamental do Governo durante o ano de 2011, da evolução da taxa de desemprego e dos índices económicos. O próximo PR terá de estar à altura de tomar decisões difíceis e sobretudo de defender os portugueses mais fracos e os portugueses mais desprotegidos.

Tenho a sensação que as pessoas atravessam um momento em que desacreditam dos políticos e da classe política. Não os censuro. Todavia, faço um apelo ao vosso direito de voto. Existem vários candidatos com posições muito diferentes, tenho a certeza que todos eles espelham os valores, princípios e preocupações de cada um de nós. Informem-se primeiro antes de votar, mas votem, porque o afastamento dos cidadãos em relação ao momento de voto aprofunda ainda mais a crise. O maior poder dos cidadãos em democracia está no poder de voto.

Aproveito esta mensagem para desejar a todos boas festas e votos de um excelente ano novo!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O CENTRO-ESQUERDA DA SOCIAL DEMOCRACIA


A proposta de revisão constitucional do PSD merece ser clarificada e bem elucidativa para todos os portugueses. Uma revisão sobretudo interna, mas também ela sinónima de política liberal e regressão civilizacional. Existe a certeza nesta revisão que o PPD/PSD abandona de forma clara e objectiva a social-democracia que já nos últimos anos era posta em causa e registava um papel secundário nas suas prioridades políticas.

Mas vamos por partes. A primeira grande estratégia do PSD de Pedro Passos Coelho é a dar a conhecer ao país a elaboração de uma alternativa de poder e este esforço é de valorizar. Uma alternativa não socialista, uma alternativa não social-democrata, pela primeira vez em Portugal e no nosso sistema político, existe uma clara separação entre aquilo que o centro-esquerda (PS) defende e aquilo que a direita (PPD/PSD) apresenta. Um programa que deixa cair o centro político e acentua o posicionamento de direita no espectro político-partidário.

Concentremo-nos então nos pilares de revisão constitucional do PSD. Em primeiro lugar, a substituição dos despedimentos com “justa causa” pela fórmula “razão legalmente atendível”, significa uma tendência favorável aos despedimentos. O termo “atendível” apresenta uma noção demasiado vaga e uma argumentação vácua sobre o factor que pode levar um trabalhador a ser despedido. Acrescentar o termo “legalmente” ao motivo atendível não quer dizer absolutamente nada, aliás trata-se apenas de um pleonasmo (repete a mesma ideia na frase), pois a razão “atendível” não poderia ser ilegal. A fórmula “razão legalmente atendível” determina que o despedimento de um trabalhador pode ser atendível apesar de injusto. Aquilo que pode ser entendido como “motivo atendível” abre as portas à liberalização dos despedimentos e refunda a legislação laboral no sentido da precariedade no trabalho se tornar a principal fonte de emprego.

Mas a questão da liberalização dos despedimentos, nem é a grande novidade desta revisão. Aquilo que é revelador de uma separação entre o PS e o PPD é sem dúvida o abandono do valor social-democrata da matriz ideológica do PPD/PSD. A matriz ideológica construída pelos fundadores do PPD/PSD como Francisco Sá Carneiro, Pinto Balsemão, assim como grandes personalidades do partido como Santana Lopes foi de facto esquecida e colocada de parte por uma nova corrente ideológica assente no neo-liberalismo, uma corrente de direita conservadora que defende o Estado Mínimo, isto é, a ideia de primazia do mercado onde Estado só deve assumir a função de afectação, ou seja, garantir o bom funcionamento do mercado, construindo as infra-estruturas básicas indispensáveis ao desenvolvimento económico (estradas, portos), garantir a defesa interna e externa do seu território, assim como a justiça e entregar tudo o resto (educação, saúde, protecção social, investimento público) à propriedade privada e ao mercado económico, se existir. Sem dúvida uma versão moderna do “orgulhosamente sós”, citando para este exemplo António de Oliveira Salazar, porventura ex-ditador, “Menos Estado, Melhor Estado”. A concepção do Estado Reduzido rejeita a interferência do estado na economia (por exemplo, fixação de um salário mínimo nacional), refuta a ideia de serviço público que o Estado pode adoptar (escola pública, saúde pública, protecção social aos trabalhadores e apoios sociais aos mais desfavorecidos), apresenta um orçamento reduzido (10% do PIB) e vê o mercado como um processo justo, eficiente e capaz de se auto-regular. Prevalece o preconceito sobre o estado e o princípio de que aquilo que é público é mau só por ser público.

Na minha opinião, mais do que qualquer ideologia ou programa político, todos nós desejamos um governo moderado com uma política equilibrada. Ora neste projecto de revisão, aquilo que encontramos é um Estado Mínimo desfasado da realidade e dos avanços civilizacionais que as populações conquistaram nos últimos 50 anos. Aquilo que constato é desequilíbrio e incongruência. Uma proposta sem conteúdo e sem projecto de futuro. Uma proposta de revisão constitucional é muito mais que um projecto político – partidário, é um consenso social que respeita a larga maioria da população. Não se pode transformar a Constituição da República Portuguesa numa declaração de princípios de Pedro Passos Coelho, não vamos confundir o livro que escreveu com a Constituição.

O partido do Estado Social

Uma sociedade de rendimentos gera inevitavelmente desigualdades económicas (poder de compra, capacidade de poupança, poder de investimento, posse de meios de produção) e consequentemente diferenças sociais (níveis culturais, graus educativos, oferta salarial, comportamentos sociais). O mercado reproduz desigualdades, apresenta falhas (bens públicos impraticáveis de privatizar, as externalidades provocadas por agentes económicos que afectam a população, imperfeições na concorrência de mercado – monopólios – e informação assimétrica entre os cidadãos). Dessa forma, a intervenção do Estado deve chegar mais longe. O Estado deve caminhar no sentido da justiça social, deve corrigir as falhas de mercado, isto é, o Estado não deve assumir apenas a função de afectação, deve também ser agente redistribuidor de rendimento e fornecedor de bens primários de Rawls ou bens de mérito de Musgrave, ou seja, pelo menos educação e cuidados primários de saúde a todos os cidadãos.

A educação é a base da justiça social. É a partir da educação para todos, de um sistema público de ensino que garantimos na sociedade portuguesa a igualdade de oportunidades e o combate à pobreza e à exclusão social. Uma sociedade justa deve basear-se no princípio da igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, uma igualdade de acesso aos bens primários e de mérito (educação e saúde). Quem nasce numa família de rendimentos mais reduzidos, deve ter a oportunidade de chegar mais longe na vida e de sair da situação de dificuldade em que nasceu e esta concepção não deve ser um privilégio, deve ser um direito bem assegurado, assim como todos aqueles que apresentam menos rendimentos devem ter os mesmos cuidados de saúde que os cidadãos com mais rendimentos. Este é o princípio da igualdade na sociedade. Rejeito a possibilidade de legalmente existir cidadãos de primeira e cidadãos de segunda. Todos devem ter acesso aos bens elementares, mas bens com a melhor qualidade.

Aquilo que esta direcção do PPD/PSD pretende é desmantelar o Estado – Social (por termo à educação e saúde pública) e aproveitar as consequências da crise actual para o fazer.

Contudo, não podemos constantemente atirar areia para os olhos dos portugueses. O que o PPD têm feito consiste em aproveitar as consequências conjunturais desta crise (elevadas taxas de desemprego e fraco crescimento económico) para colocar em causa a legitimidade e sustentabilidade do Estado – Social. Portugal tem de facto problemas estruturais e culturais que dizem respeito à forma como os órgãos do Estado são geridos e governados e à forma como os cidadãos interpretam o seu dever de cidadania, mas isso não é motivo para confundir os portugueses.

Vivemos num momento muito difícil e exigente para todos os portugueses (famílias, trabalhadores, desempregados, estudantes universitários, empresas e estado), um momento que exige reflexão e decisão.

Mas devemos colocar em causa tais avanços civilizacionais? Deixo-vos com a seguinte questão: Devemos sacrificar liberdades e direitos fundamentais como são hoje o acesso público à educação e à saúde mesmo que isso leve a um maior crescimento económico?

Portugal tem um problema estrutural de produtividade proveniente da liberalização do mercado económico, fomos perdendo competitividade nas últimas décadas. As empresas portuguesas são muito dependentes do investimento público, a crise financeira internacional e a preocupação em controlar as contas públicas vieram agravar a retoma económica. Há uma quebra muito acentuada do investimento privado, nos últimos dois anos os processos de insolvência ultrapassaram o total de empresas criadas. O Estado-Social foi ao longo dos anos sendo descaracterizado pela benevolência na atribuição de determinados apoios sociais, mas a solução não significa colocar um ponto final nas políticas sociais, passa por reformá-las e adaptá-las às exigências do século XXI. O centralismo administrativo português é cada vez mais confrontado com a regionalização administrativa do país. Em termos políticos, a situação não se alterou, continuamos em pleno século XXI, a ser o único país na União Europeia em que existem governos minoritários em funções, é tempo de dar prioridade legal à estabilidade política, sou desde há muito defensor das maiorias absolutas de um ou mais partidos.

Poderia aqui continuar a enumerar os problemas do pais e criar uma lista interminável, mas o que todos temos de fazer é ganhar consciência cívica e olhar com mais atenção para aquilo que está à nossa volta, a solução passa pela intervenção de cada um de nós. Começa por deixar a tua ideia aqui!

sexta-feira, 5 de março de 2010

O PROCESSO FACE OCULTA


A democracia é o único sistema político no mundo que consagra dois princípios fundamentais: o princípio da liberdade e o princípio da diferença. Em primeiro lugar, o princípio da liberdade diz-nos que numa sociedade justa e democrática deve existir um conjunto de liberdades básicas e sagradas que devem ser comuns a todos. O princípio da diferença reconhece que as pessoas são efectivamente diferentes, nascem com características inatas distintas e ao longo da sua vida vão fazer evoluir essas mesmas características. Este princípio diz-nos que as diferenças entre as pessoas podem e devem existir, mas que devem obedecer a duas condições, em primeiro lugar, são estabelecidos limites e regras numa sociedade e nenhuma diferença deve extravasar esses limites e regras, caso contrário estará a por em causa a segurança de todos, em segundo lugar, apesar de diferentes, todos devem ter igualdade de oportunidades.

Os estados – nação modernos como Portugal regem-se por Constituições escritas, que consagram os princípios e valores fundamentais de uma sociedade. A Constituição da República Portuguesa é o estatuto jurídico fundamental, consagra os valores fundamentais comuns à larga maioria da população portuguesa. Ela diz-nos que em Portugal ninguém está acima da lei, quer isto dizer que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, ou seja, a lei é igual para todos (Constituição da República Portuguesa, art. 13 nº1). Esta é uma garantia do Estado de Direito. Vivemos num Estado de Direito, num estado de leis e regras “baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais” (Constituição da República Portuguesa, art.2). Quer isto dizer, que são as leis que asseguram as nossas liberdades.

Após esta breve introdução, essencial para percebermos que as nossas acções e liberdades têm limites e que quando extravasamos os limites, estamos a violar a lei e temos de sofrer as consequências, devo dizer que neste momento em Portugal muitos excederam os seus limites e o mediatismo criado à volta do processo Face Oculta é absolutamente reprovável. Senão vejamos, em democracia tudo se sabe e tudo se discute e, portanto, a comunicação social tem um papel essencial na vida em sociedade, por um lado, pela responsabilidade do que publicam e, por outro lado, pela visibilidade das suas publicações que chegam a todos através dos mais variados instrumentos.
Em relação ao processo Face Oculta é bom que saibamos distinguir duas situações distintas, uma coisa é o processo Face Oculta, outra coisa são as chamadas escutas que envolvem o Primeiro – Ministro, José Sócrates. São assuntos completamente diferentes. Nada tem a ver um com o outro.

O processo Face Oculta surgiu no âmbito de uma investigação que ligava vários crimes de cariz económico entre o empresário Manuel Godinho e outras personalidades ligadas a empresas públicas e privadas de renome. Após a investigação inicial foram constituídos arguidos Armando Vara, ex vice-presidente do Millenium BCP, José Penedos, o então Presidente da REN (Redes Eléctricas Nacionais), Manuel Godinho, entre outros, por suspeita de alegado envolvimento numa rede de corrupção, baseada em tráfego de influências, lavagem de dinheiro, evasão fiscal, entre outros crimes. O processo está a entregue à justiça e está a decorrer com naturalidade. Quer isto dizer, que como cidadão estou satisfeito por ver que as autoridades judiciárias cumpriram o seu dever, investigaram, recolheram provas, constituíram arguidos e o processo está agora entregue aos tribunais.

Outra coisa completamente diferente do processo Face Oculta são as escutas que relacionam o Primeiro – Ministro. Alguns órgãos de comunicação social dizem que houve uma tentativa por parte do Primeiro – Ministro de controlar a comunicação social em Portugal, nomeadamente a TVI. Na minha opinião, há muita especulação, aproveitamento político e sobretudo a tentativa de decapitar politicamente o Primeiro – Ministro.
Bom, mas para os leitores perceberem melhor e tirarem as vossas próprias conclusões passo a explicar, o Grupo Media Capital é actualmente o maior grupo no sector dos media em Portugal, na televisão detém a TVI (líder de audiências) e tem o segundo maior grupo de rádio (Radio Comercial, Best Rock FM, Cidade FM, entre outras). Em 2005, o Grupo Prisa que detém o “El País” em Espanha entrou na Media Capital e tornou-se o maior accionista do grupo. Em 2006, o Grupo Prisa lançou uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) sobre a totalidade das acções representativas do capital da Media Capital e passou a controlar este grupo. No final de 2008, e como resultado da crise internacional, a Prisa apresentou um nível de endividamento altamente insustentável, e para fazer face à dívida, resolve em 2009 por à venda cerca de 30% das suas acções. Quem surgiu interessado foi a PT. Contudo, este interesse da PT, legítimo por parte da empresa, foi posto em causa por parte dos partidos políticos que formam oposição ao governo, que ao questionarem José Sócrates no parlamento sobre este negócio ele afirmou não ter conhecimento sobre o mesmo. A partir daqui, a especulação em torno deste negócio agudizou-se. Ainda mais quando as oposições acusaram o Primeiro – Ministro de estar a mentir no parlamento.

O estado português possui uma golden share na PT, isto é, uma participação accionista detida pelo estado, que apesar de ser minoritária tem poderes especiais como eleger um terço do número total de administradores, como ter capacidade de veto sobre alterações de estatutos e ainda poderes na definição de estratégia e da política da empresa, entre outros. As golden shares existem para isso mesmo, para o Estado intervir na economia e salvaguardar o interesse público, nas áreas que no seu entender são essenciais, neste caso nas telecomunicações. O objectivo das goldens shares tem sido alvo de um debate ideológico intenso nos últimos anos. Podemos questioná-lo, mas não é esse o ponto essencial da questão.

A resposta do Governo perante esta polémica e perante estas acusações consistiu em utilizar a golden share para vetar o negócio entre a PT e a Prisa, ou seja, inviabilizou o negócio. Actualmente, o Grupo Prisa continua com a totalidade das acções.

Tudo isto para situar o leitor e ajudar a perceber o caso das escutas. Nas últimas semanas o semanário Sol tem vindo a publicar a transcrição de escutas entre o Primeiro – Ministro e Armando Vara, assim como entre Armando Vara e outras personalidades que estariam envolvidas nesta rede, neste “polvo” como avança o Sol, para tentar controlar a comunicação social em Portugal, onde Armando Vara seria digamos que o cabecilha de toda esta operação.

Bom, o semanário Sol tem violado sistematicamente o segredo de Justiça, porque estas escutas que tem vindo a publicar (parte delas, visto serem cerca de 50) foram apreciadas pelo Ministério Público, nomeadamente pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento e pelo Procurador-geral da República, Pinto Monteiro, e ambos concluíram que as escutas não contém matéria de relevância criminal, isto é, nada do que o Primeiro – Ministro disse nas suas conversas privadas contém indícios de criminalidade. E isto é que é relevante num Estado de Direito, as pessoas com competência jurídica e democrática para apreciar as escutas que envolviam José Sócrates, ouviram as escutas e tiraram as suas conclusões, de que não existe matéria criminal nas conversas e, portanto, as escutas devem ser eliminadas. As escutas são um instrumento de combate e prevenção ao crime e só são relevantes quando têm matéria criminal, por isso, quando não tem matéria criminal devem permanecer na esfera privada.

Contudo, em democracia, como disse anteriormente tudo se discute e tudo se sabe e a comunicação social têm um papel essencial nas nossas vidas. O semanário Sol conseguiu ter acesso às escutas, que já tinham sido apreciadas e entregues à esfera privada, e resolveu publicá-las, pelo menos parte delas. E aqui entra o papel perverso, indigno e muito perigoso da comunicação social. Alguns dos jornalistas do Sol, como Felícia Cabrito acham, na sua opinião, que tem legitimidade para publicar conversas privadas em nome do interesse público. Bom, na minha opinião, o interesse público em democracia são as leis e o seu cumprimento e nunca a sua violação, mas as pessoas tem noções diferentes de liberdade. (Podemos contestar se a lei é boa ou má, mas temos instituições democráticas próprias para o efeito). E neste caso, a lei foi cumprida, havia suspeitas de que José Sócrates estaria envolvido numa rede ilegal para controlar a comunicação social, as escutas que são um instrumento essencial no combate à corrupção foram ouvidas e apreciadas por quem tem competências próprias e o Ministério Público conclui que as suspeitas são infundadas.

Todavia, parece-me que determinados jornalistas do Sol estão a confundir opiniões com factos. Na Comissão de Ética a decorrer no Parlamento, a audição com Felícia Cabrito foi clarificadora da sua confusão “ nós temos critérios diferentes na avaliação das escutas”, disse a jornalista. É inaceitável e condenável em democracia que um cidadão pretenda colocar-se acima da lei e julgar pessoas em praça pública, violando a lei e publicando opiniões como se de factos se tratasse. Em Portugal, ninguém está acima da lei, nem o Primeiro – Ministro, José Sócrates, nem o Semanário Sol e os seus jornalistas.

Um dos princípios fundamentais das democracias modernas é a separação de poderes, quer isto dizer, que as questões judiciais cabem aos tribunais e as questões políticas ao parlamento. E o semanário Sol, assim como todos os meios de comunicação social devem perceber que as liberdades têm limites, e o Sol e os seus responsáveis todas as semanas têm vindo a violar a lei e a ultrapassar os limites, julgando pessoas em praça pública, desrespeitando as liberdades e valores fundamentais dos cidadãos. Quem viola a lei é julgado em tribunal e não na esfera pública. As publicações do Sol tem vindo sistematicamente a empobrecer a nossa democracia e a destruir publicamente pessoas envolvidas no processo, que inocentes ou não, são iguais a todos nós e tem direito à privacidade.

A liberdade de imprensa é indispensável na vida em sociedade. Os cidadãos têm direito à informação. Contudo, não devemos confundir informação com difamação. Relatar factos é informar, é noticiar, formular juízos de opinião e fazer deles factos não é jornalismo.

Para terminar, uma nota muito breve a alguns partidos da oposição, temos vindo a assistir a atitudes totalmente deploráveis que tem por base atacar pessoalmente o Governo e retirar dividendos políticos com o caso das escutas, tentando desgastar a imagem e decapitar politicamente o Primeiro – Ministro, José Sócrates. Faço um apelo à agenda política para que voltem a concentrar as suas atenções nos reais problemas do país: o combate ao desemprego, a retoma económica, o endividamento externo e a falta de produtividade e competitividade da economia portuguesa. Os portugueses estão cansados do mediatismo à volta deste processo.