POLÍTICA, SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO | OPINIÃO

quarta-feira, 30 de maio de 2012

OS EFEITOS DA AUSTERIDADE

Os efeitos da austeridade não se refletem apenas na economia, refletem-se também na democracia. Não há democracia plena que consiga coexistir com elevadas taxas de desemprego no médio e longo prazo. O trabalho dignifica o ser humano e é o garante da sua liberdade económica e independência financeira. O acesso ao emprego ou à criação do mesmo é imprescindível para a realização pessoal e fundamental para o desenvolvimento económico de um país. ~

Voltaire dizia que o "trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade". Eu diria até mais. A ausência de perspetivas de emprego origina insegurança, descontentamento e em casos de maior gravidade, o desespero que muitas vezes leva ao aumento da criminalidade. É, por vezes, aflitivo viver numa sociedade onde não existem perspetivas de emprego, como é neste momento o caso de Portugal. Vejamos porquê.

O problema do desemprego em Portugal conhece uma década e é já estrutural, todavia, os seus níveis aumentaram consideravelmente desde que o Estado português recorreu à ajuda externa. Num espaço de um ano a taxa de desemprego que rondava os 12% (já por si uma taxa de desemprego bastante elevada) subiu para os 15%. É a maior taxa de desemprego de sempre em Portugal. É uma taxa recorde. O pior, é que as perspetivas no curto-prazo apontam para a sua subida.

O aumento exponencial da taxa de desemprego é a grande consequência da inexistência de um novo paradigma de desenvolvimento económico e, sobretudo, de uma política assente na austeridade e no seu excesso. As políticas de austeridade que visam corrigir o desequilíbrio das nossas contas estão a fazer exatamente o oposto, estão a gerar mais dívida e bloquear o crescimento económico. E porquê?

Se todos fizermos um raciocino bem simples veremos que não há disciplina orçamental sustentável sem crescimento económico, dito por outras palavras, se por um lado, a austeridade em excesso está a provocar uma redução da atividade económica (ditada pelo aumento de impostos sobre o rendimento e sobre o consumo que se traduzem numa quebra no consumo, o que diminui a produção de bens e serviços ao mesmo tempo que há uma diminuição do investimento privado e o congelamento do investimento público) por outro lado, está a aumentar as despesas do Estado (com políticas sociais de apoio aos desempregados e que combatem os efeitos sociais do desemprego). É uma combinação explosiva que nega o crescimento económico e a criação de emprego e a necessidade de ter contas públicas equilibradas.

Elevadas taxas de desemprego são prejudiciais para as contas públicas porque aumentam as despesas e diminuem as receitas para o Estado.

Um dos pilares da economia portuguesa é precisamente o sector terciário - o sector do comércio e dos serviços que representam mais de 70% do nosso Produto Interno Bruto. Neste momento, este pilar está a perder consistência. Em 2011, em média fecharam 100 lojas por dia. Para 2012 as perspetivas não são simpáticas, entre 60% a 70% do consumo concentra-se no segundo semestre do ano e, para esse período, já estão marcadas duas ausências: o subsídio de férias e de Natal dos funcionários públicos. No sector do alojamento e da restauração, o aumento do IVA para 23% continua a fazer estragos, só num ano foram destruídos 33 mil empregos no sector. Os grupos de distribuição que empregam 100 mil postos de trabalho no país e que na sua maioria estão reunidos na APED (Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição) têm vindo a reduzir o número de efetivos, ajustando-o à procura.

No sector secundário, a situação é felizmente mais positiva. As empresas deste sector têm sido as grandes responsáveis pelo aumento das exportações, todavia, na generalidade, o aumento das exportações não estão a criar postos de trabalho, estão apenas a conseguir manter os que tem. A crise retirou o sector dos classificados e tirou ao discurso dos empresários as críticas ao valor do subsídio do desemprego, ao florescer da economia paralela e ao desprestígio social associado a trabalhar numa fábrica. A palavra de ordem é cerrar fileiras. Enquanto a indústria metalomecânica e da metalurgia resiste ao choque, os móveis vão perdendo emprego. O sector da construção civil despede aos milhares, só a Soares da Costa pediu autorização para despedir acima das quotas previstas por lei. Apenas o têxtil e o calçado são felizes exceções.

A situação não é fácil e os portugueses viram-se para onde dá mais jeito. A emigração tem sido constante e em vez de políticas para a contrariar, temos palavras ao seu incentivo. O desemprego juvenil cresce como nunca antes e os jovens perdem o direito de sonhar. Cada vez mais este país não parece ser para jovens.

Estimados leitores, eu não tenho dúvidas, este é o retrato de um país perdido nos excessos da austeridade. Esta imagem resulta de vários problemas, mas a austeridade não está a corrigir esses desequilíbrios, está a contribuir para o aprofundamento dos mesmos.

O desemprego tem rosto e quem nos governa deve ter a sensibilidade que os números não têm. O saneamento das contas públicas não deve ser feito à custa da criação de pobreza porque uma sociedade pobre cultivará uma democracia fraca. Precisamos de outras soluções porque as actuais falharam e se é certo que a crise que atravessamos é também de valores este é o momento certo de devolver os valores a quem os perdeu, que sirva a carapuça aos mercados, ao poder político que se submeteu ao poder económico e às instituições europeias incapazes de responder à crise que se abateu sobre a Europa.

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